domingo, 22 de março de 2009

Conceito De Espécie

Conceito de Espécie

Alessandro Rapini – UEFS

Espécie é a unidade básica da biologia. O esperado, portanto, seria um conceito objetivo como as medidas da física ou os elementos da química. A natureza e a definição de espécie, no entanto, continuam entre os assuntos mais discutidos e controversos da sistemática. Existem vários livros debatendo o tema e aparentemente não existe um consenso. Existem essencialmente cinco posições sobre o Conceito de Espécie:

1) Todos os conceitos fazem parte de um único conceito

2) Todos os conceitos são subsidiários ou variações de um único conceito

3) O conceito de espécie difere conforme o grupo em questão (pluralista)

4) Uma espécie deve preencher apenas alguns dos critérios de Espécie (politética)

5) A maioria, no entanto, acha que controvérsias teóricas não interferem na prática taxonômica.

Será que não?

O objetivo dessa palestra é definir Espécie.

Inicialmente, é necessário responder a questão anterior. Será que não?

Me parece que sim. As divergências teóricas influenciam a prática taxonômica. Por exemplo, dois levantamentos das aves do México foram realizados utilizando diferentes Conceitos de Espécie. O primeiro, realizado em 1993 pela União de Ornitólogos Americanos, utilizou o Conceito Biológico de Espécie e encontrou 101 espécies endêmicas do México. O segundo (Peterson & Navarro-Sigüenza 1999) utilizou o Conceito Filogenético de Espécie, e encontrou 249 espécies endêmicas do México. Além da discrepância no numero de espécies, foi notada também diferenças significativas na riqueza e na taxa de endemismo ao longo do território mexicano. Parece que essa discussão, então, não é meramente semântica; ela tem implicações práticas em campos da biologia que atualmente podem ser considerados prioritários, como o de conservação da diversidade.

Mayden (1997) listou mais de 20 Conceitos de Espécies. Não cabe discuti-los aqui, mas vale ressaltar que enquanto o Conceito Biológico (Grupo de organismos que se reproduzem gerando descendentes viáveis) tem maior apelo teórico, na prática, o mais utilizado é o Morfológico (“...grupos consistente e persistentemente distintos, e distinguíveis por meios ordinários”; Cronquist 1978, p. 15). Com a disseminação da cladística, houve um aumento de propostas incluídas dentro do Conceito Filogenético, e mais recentemente, existem tentativas para se estabelecer marcadores moleculares universais para a detecção de espécies, os chamados códigos de barra, algo semelhante ao Conceito de Genético.

Esses conceitos podem ser divididos em dois grupos: Os operacionais, como o Conceito Morfológico, estabelecem critérios e métodos para a delimitação de táxons, e os mecanicistas, como o Conceito Biológico, indicam mecanismos e processos evolutivos para a formação e manutenção das espécies. Na minha opinião, no entanto, nenhum deles traz uma definição exclusiva e universal de Espécie. Eu vou me propor aqui a defender o Conceito Taxonômico de Espécie. Esse conceito é freqüentemente confundido, especialmente com o Conceito Morfológico, e por isso eu propus uma definição explicita para Espécie dentro desse conceito.

Duas questões aparecem no âmago das discussões sobre conceito de espécie:

1) Espécies é especial? Ou seja, existe alguma diferença entre espécies e táxons caracterizados em outros níveis taxonômicos, como gênero, família, etc.?

Darwin, por exemplo, dizia que os limites eram arbitrários:

“Eu vejo o termo espécie como arbitrariamente designado por conveniência para um conjunto de indivíduos semelhantes entre si, e ele não essencialmente difere do termo variedade que é designado para formas menos distintas e mais flutuantes.” (Darwin 1859)

Atualmente, no entanto, a maioria das pessoas acha que as espécie diferem sim dos táxons classificados nas demais categorias taxonômicas: “Nós assumimos que espécies são entidades biológicas reais...” (Rieseberg & Broulillet 1994). Então vem a segunda questão:

2) Espécies são entidades reais?

Inicialmente, é necessário estabelecer dois conceitos filosóficos importantes. O conceito de Classes e o de Indivíduos; não confundir Classe com o nível taxonômico Classe, nem indivíduo com organismo. Uma Classe é um conceito atemporal; ela é composta por membros e definida pelas características compartilhadas por esses membros. A definição de uma classe é a sua intenção e seus membros são a extensão dessa intenção. A classe é portanto abstrata. Por exemplo, masculino. Os indivíduos, por outro lado, existem no tempo e no espaço, são compostos por partes e recebem um nome por batismo. Um indivíduo é real, não pode ser definido, mas sim caracterizado. Por exemplo, a UEFS é um indivíduo, ela existe no tempo e no espaço, tem um começo e um fim; os funcionários fazem parte dela.

É preciso distinguir também espécie enquanto Categoria Taxonômica (A Espécie) e espécie enquanto Táxon (uma espécie). Categoria Taxonômica é um dos níveis de classificação lineana no qual reconhecemos os táxons. Drosophila melanogaster, por exemplo, é uma espécie, táxon tratado no nível de Espécie. Ninguém discorda que a Espécie (Categoria Taxonômica) é uma classe. As controvérsias se referem às espécies. Seriam esses táxons distintos dos demais? Seriam eles realidades ou abstrações?

A definição da categoria taxonômica Espécie deve apresentar as propriedades comuns e exclusivas a todos os seus membros, ou seja, à todas as espécies. Voltamos então ao ponto nevrálgico porque aparentemente, não existe uma propriedade comum a todas e quaisquer espécies. Esse impasse me surgiu alguns anos atrás, quando eu conclui que espécies não existiam, pelo menos não da maneira que geralmente nos fazem acreditar. Foi então que eu procurei explorar o tema.

Atualmente eu defendo o Conceito Taxonômico de Espécie, também conhecido como Conceito Nominalista de Espécie. Esse conceito é freqüentemente confundido, o que me levou a propor uma definição mais explícita: ‘espécies são classes definidas por um conjunto de características e representadas por um binômio em latim válido conforme o código de nomenclatura’. Segundo essa definição, portanto, as espécies são classes de indivíduos e a Espécie é uma classe de classes cuja única propriedade comum reside no nome. Fica mais claro entender então a célebre frase de Davis & Heywood (1963): ‘...espécies são equivalentes apenas pela designação e não em virtude da natureza ou extensão de suas diferenciações evolutivas.

Essa conclusão pode ser expandida para as demais categorias taxonômicas: táxons, independentes do nível de inclusão, são classes estabelecidas por convenção. Portanto, táxons são unidades não comparáveis biologicamente. A definição do Conceito Taxonômico de Espécie expõe esse fato claramente, amenizando um problema ainda maior que a arbitrariedade biológica dos táxons, que é ignorar essa arbitrariedade. Eu explorei algumas conseqüências dessa discussão num artigo publicado recentemente chamado ‘Classes ou Indivíduos? O Paradoxo da Sistemática Revisitado’

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